quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Almas malogradas ... esmagadas pela fatalidade do ‘meio’ : O Cortiço


JOÃO ROMÃO –– esperto, miserável, enganador e invejoso.

“... deixando de pagar todas as vezes que podia e nunca deixando de receber, enganando os fregueses, roubando nos pesos e nas medidas...” (p.15)

Dono da pedreira e do cortiço. Representa o capitalista explorador,o português ganancioso, cuja preocupação em fazer fortuna é tão grande que leva ao relaxamento com a própria aparência, a sujeição ao desconforto e a auto-imposição de um regime de trabalho que ultrapassa muitas vezes o limite físico.
A trajetória da personagem constitui a metonímia do embate da raça com o meio, pois o seu pragmatismo está permanentemente em confronto com a indolência e a sensualidade do temperamento dos habitantes do país que o acolhe.
A sua posterior "aristocratização", atingida após uma profunda mudança em seu comportamento e em sua aparência física, embora revele a ação do meio sobre o comportamento humano e se apresente como uma conseqüência do evolucionismo, não deixa de se apoiar no pragmatismo da personagem, que, após enriquecer, passa a alimentar o sonho de ganhar títulos de nobreza.

BERTOLEZA : quitandeira, escrava cafuza que mora com João Romão, para quem ela trabalha como uma máquina. Esta personagem, negra e mulher, na condição total de inferioridade, ao lado, ou melhor, aos pés de João Romão, no romance aparece sempre como submissa.Trabalhadora, sonhava com a liberdade por meio de uma carta de alforria.
“E, no entanto, adorava o amigo, tinha por ele o fanatismo irracional das caboclas do Amazonas pelo branco a que se escravizam, (...) são capazes de matar-se para poupar do seu ídolo a vergonha do seu amor.”
“... às quatro da madrugada estava já na faina de todos os dias...” (p.14)

PIEDADE – submissa, honesta e trabalhadora. A única personagem diferente em meio a tantas outras iguais. Essa diferença diz respeito sentido aos princípios morais sólidos e bom caráter que possuía. Corretíssima, fiel, sem qualquer vaidade, vive para o marido e em função dele. Ela era tranqüila, nostálgica, conservava os hábitos e a rotina de sua terra natal, não deixava se envolver pelo meio mantinha suas tradições e a esperança de crescer junto com o seu marido em uma terra nova. Ela mantinha essas particularidades enraizadas e, dificilmente, absorveria os costumes e a cultura brasileira.
Mas, ao contrário do que podia parecer, Piedade era uma mulher perspicaz e esperta, percebia dia-a-dia as mudanças do marido e tinha consciência de que iria perdê-lo.
Piedade uma mulher ambígua, ou seja: forte e fraca.

“Piedade merecia bem o seu homem, muito diligente, sadia, honesta, forte, bem acomodada com tudo e com todos, trabalhando de sol a sol e dando sempre tão boas contas da obrigação, que os seus fregueses de roupa, apesar daquela mudança para Botafogo, não a deixaram quase todos.” (p.42)

JERÔNIMO– forte, trabalhador, dedicado e honesto. Português “cavouqueiro”, trabalhador da pedreira de João Romão, representa a disciplina do trabalho.
Jerônimo, por sua vez, percorre o caminho inverso. É, a princípio, delineado
como homem honesto, fisicamente forte, de caráter sério e bons costumes, admirado
pela sua simplicidade e disposição para o trabalho. Assim que chega ao cortiço, mantém o comportamento saudosista do imigrante, a busca de fidelidade às origens, que se revela, por exemplo, por meio do hábito de sentar-se à porta, dedilhando os fados de sua terra natal:

“... a força de touro que o tornava respeitado e temido por todo pessoal...”
“... grande seriedade do seu caráter e a pureza austera dos seus costumes...” (p.42)
“... um pulso de Hércules...” (p.43)

Após conhecer Rita Baiana, uma mulata sensual, Jerônimo se torna um homem diferente. Abandona a esposa e a filha, trama o assassinato do amante de Rita,endivida-se, aproximando-se da imagem do malandro carioca.
Os primeiros sinais da transformação dão-se justamente na esfera onde naturalmente se opera a resistência, pois logo Jerônimo passa a rejeitar a culinária de sua terra, perguntando à mulher porque não experimenta fazer "uns pitéus à moda de cá", e deixa a guitarra de lado, exceto para tentar tocar as modinhas que Rita Baiana cantava. O abrasileiramento de Jerônimo traduz a perspectiva naturalista de sujeição aos imperativos do ambiente.


D. ESTELA – adultera e presunçosa.
“...senhora pretensiosa e com fumaças de nobreza...” (p.16)

Sua hipocrisia e sadismo,mostram uma mulher que infringiu as regras da sociedade sob a proteção do marido.Estela recebeu vida na obra de Aluísio como uma crítica ao casamento e, sobretudo ao casamento de conveniência existente na época.
Ela desperta curiosidade, pois, a princípio, parece-nos uma vítima de uma sociedade que obrigava uma moça a casar-se “comercialmente”. Se ela tinha coragem para trair o marido, por que não tinha coragem para romper barreiras e ir atrás de sua própria liberdade? Estela, dentre todos os outros personagens, era a mais manipuladora, sádica, sarcástica e de uma crueldade sem tamanho.

“... Ah! Ela contava como certo que o esposo, desde que não teve coragem de separar-se de casa, havia, mais cedo ou mais tarde, de procurá-la de novo. Conhecia-lhe o temperamento, forte para desejar e fraco para resistir ao desejo.” (p.20)

Era uma mulher leviana, dominadora e tinha plena consciência de que o marido era um homem fraco para quem as aparências valiam muito mais que o amor e o respeito próprio.Não possui princípios morais, é uma prostituta escondida sob o manto de “dama”. Ela conhece o ódio do marido por ela, mas sabe que mesmo a odiando e mantendo com ela um casamento de aparências, ele não resiste aos seus impulsos sexuais e a procura, causando–lhe uma estranha sensação de poder e dominação.

MIRANDA – Barão de Freixal. Esperto, oportunista, não era feliz no casamento.

“... o Miranda pilhou-a em flagrante delito de adultério; ficou furioso e o seu primeiro impulso foi de mandá-la para o diabo junto com o cúmplice; mas a sua casa comercial garantia-se com o dote que ela trouxera...” (p.16)

Comerciante português. Principal opositor de João Romão. Mora num sobrado, ao lado do cortiço. Ambicioso , no entanto, prefere enriquecer por meios mais brandos, como pelo casamento com uma brasileira cujo dote era o que garantia a sua loja de fazendas por atacado. A manutenção da situação econômica atingida era mais importante do que seu orgulho de homem, posto que, apesar de saber- se traído, não ousava separar-se dela:

“Prezava, acima de tudo, a sua posição social e tremia só com a idéia de ver- se novamente pobre, sem recursos e sem coragem para recomeçar a vida, depois de se haver habituado a umas tantas regalias e afeito à hombridade de português rico que já não tem pátria na Europa.”


RITA BAIANA :personagem estereotipada da mulata sensual, alegre e assanhada. Rita é a mulher independente e rebelde, que diferente de Bertoleza, oprime e seduz os homens, desmoronando a idéia de modelo patriarcal da sociedade em que a mulher era apenas objeto, Rita Baiana criticando até mesmo a instituição casamento vai contra toda uma ordem estabelecida.

“E toda ela respirava o asseio das brasileiras e um odor sensual de trevos e plantas aromáticas. Irrequieta, saracoteando o atrevido e rijo quadril baiano, respondia para a direita e para a esquerda, pondo à mostra um fio de dentes claros e brilhantes que enriqueciam a sua fisionomia com um realce fascinador.” (p.45)

A sensualidade, como uma característica ligada à identidade, é uma propriedade e uma marca da mulata de O cortiço, pois a sexualização costuma ser uma figura de controle ou dominação, pois a caracterizando como mulata ela se distancia um pouco da condição de negra, escrava e inferior

“Também cantou. E cada verso que vinha da sua boca de mulata era um arrulhar choroso de pomba no cio. E o Firmo, bêbedo de volúpia, enroscava-se todo ao violão; e o violão e ele gemiam com o mesmo gosto, grunhindo, ganindo, miando, com todas as vozes de bichos sensuais, num desespero de luxúria que penetrava até ao tutano com línguas finíssimas de cobra."( Zoomorfismo)

FIRM0– gastador, galanteador, charlatão e presunçoso.
“... era um mulato pachola, delgado de corpo e ágil como um cabrito; capadócio de marca, pernóstico, só de maçadas, e todo ele se quebrando nos seus movimentos de capoeira.”
“...Era oficial de torneiro, oficial perito e vadio: ganhava uma semana para gastar num dia...” (p.49

POMBINHA ;” a flor do cortiço” .Fraca, nervosa, doente, loira, muito pálida, sua sensualidade está associada a doses de inocência, pureza, boa família, asseada. A relação homossexual entre Pombinha e sua madrinha Léonie se dão em conseqüência de um estupro.Pombinha rompe drasticamente com os padrões impostos por ima sociedade preconceituosa, desigual,desumana. A ruptura acontece quando Pombinha se separa do seu marido, após adultério. Atirou-se as coisas mundanas e foi morar com Léonie, mais sustentava a mãe com o dinheiro da prostituição, a qual se tornou perita e com sua sagacidade, conquistava todos os homens.

“A filha era a flor do cortiço (...) Bonita, posto que enfermiça e nervosa ao último ponto: loura muito pálida, com uns modos de menina de boa família.”
“...era muito querida por toda aquela gente.” (p.31)
“O que mais a desgostava, e o que ela não podia tolerar sem apertos de coração, era ver a pequena endemoninhar-se com champanha depois do jantar e pôr-se a dizer tolices e a estender-se ali mesmo no colo dos homens. Chorava sempre que a via entrar ébria, fora de horas, depois de uma orgia; e, de desgosto em desgosto, foi-se sentindo enfraquecer e enfermar , até cair de cama e mudar-se para uma casa de saúde, onde afinal morreu.” (p. 200, 201) “Era quem escrevia cartas (...) quem tirava as contas; quem lia os jornais...” (p.32)


LÉONIE: independente, pervertida, impura.Mulher de procedência francesa que possuía um sobrado na cidade, o que demonstrava status. Buscava relação sexual para satisfazer-se. Subjuga e seduz a afilhada (Pombinha) “... “...com as suas roupas exageradas e barulhentas de cocote à francesa, levantava rumor quando lá ia e punha expressões de assombro em todas as caras.” (p.74)
Léonie saltava para junto dela e pôs-se a beijar-lhe, á força, os ouvidos e o pescoço, fazendo-se muito humilde, adulando-a, comprometendo-se a ser sua escrava e obedecer-lhe como um cachorrinho. (p.137).”
“(...) Leonie fingia prestar-lhe atenção e nada mais fazia do que afagar-lhe a cintura, as coxas e o colo. Depois, como que distraidamente, começou a desabotoar-lhe o corpinho do vestido.” (p. 119)”

ZULMIRA – fruto de um casamento malogrado, é rejeitada pelos pais.Representa um “ investimento” vantajoso quando torna-se pretendente de João Romão.
“...pálida, magrinha, com pequeninas manchas roxas nas mucosas do nariz, das pálpebras e dos lábios (...) olhos grandes, negros, vivos e maliciosos.” (p.23)
Henrique – estimado de Dona Estela.
“Dona Estela, no cabo de pouco tempo, mostrou por ele estima quase maternal...” (p.24)

Botelho – antipático e parasita.
“... muito macilento, com uns óculos redondos que lhe aumentavam o tamanho da pupila e davam-lhe à cara uma expressão de abutre...” (p.24)
“...via-se totalmente sem recursos e vegetava à sombra do Miranda...” (p.25)

ARRAIA-MIÚDA – representada por lavadeiras, caixeiros, trabalhadores da pedreira e pelo policial Alexandre.

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