segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Intolerância.

O vírus letal da xenofobia
O primeiro teste no Brasil deu negativo para o ebola, mas positivo para o racismo.



Uma epidemia, como Albert Camus sabia tão bem, revela toda a doença de uma sociedade. A doença que esteve sempre lá, respirando nas sombras (ou nem tão nas sombras assim), manifesta sua face horrenda. Foi assim no Brasil na semana passada. Era uma suspeita de ebola, fato suficiente, pela letalidade do vírus, para exigir o máximo de seriedade das autoridades de saúde, como aconteceu. Descobrimos, porém, a deformação causada por um vírus que nos consome há muito mais tempo, o da xenofobia. E, como o outro, o “estrangeiro”, a “ameaça”, era africano da Guiné, exacerbada por uma herança escravocrata jamais superada. racismo no Brasil não é passado, mas vida cotidiana conjugada no presente. A peste não está fora, mas dentro de nós.

Foi ela, a peste dentro de nós, que levou à violação dos direitos mais básicos do homem sobre o qual pesava uma suspeita de ebola. Contrariando a lei e a ética, seu nome foi exposto. Seu rosto foi exposto. O documento em que pedia refúgio foi exposto. Ele não foi tratado como um homem, mas como o rato que traz a peste para essa Oran chamada Brasil. Deste crime, parte da imprensa, se tiver vergonha, se envergonhará.
Não sei se há desamparo maior do que alcançar a fronteira de um país distante, nessa solidão abissal. E pedir refúgio, essa palavra-conceito tão nobre, ao mesmo tempo tão delicada. E então se sentir mal, e cada um há de saber como a fragilidade da carne nos escava. Corrói mesmo aqueles que têm o melhor plano de saúde num país desigual. Ele, desabitado da língua, era desterrado também do corpo. Para alcançar o que viveu o homem desconhecido, porque o que se revelou dele não é ele, mas nós, é preciso vê-lo como um homem, não como um rato que carrega um vírus. Para alcançá-lo é preciso vestir o homem. Mas só um humano pode vestir um humano.
E logo ouviu-se o clamor. Não é hora de fechar as fronteiras?, cobrou-se das autoridades. Que os ratos fiquem do lado de fora, onde sempre estiveram. Que os ratos apodreçam e morram. Para os ratos não há solidariedade nem compaixão. Parece que nada se aprendeu com a Aids, com aquele momento de vergonha eterna em que os gays foram escolhidos como culpados, o preconceito mascarado como necessária medida sanitária.

E quem são os ratos, segundo parte dos brasileiros? Há sempre muitos, demais, nas redes sociais, dispostos a despejar suas vísceras em praça pública. No Facebook, desde que a suspeita foi divulgada, comprovou-se que uma das palavras mais associadas ao ebola era “preto”. “Ebola é coisa de preto”, desmascarou-se um no Twitter. “Alguém me diz por que esses pretos da África têm que vir para o Brasil com essa desgraça de bactéria (sic) de ebola”, vomitou outro. “Graças ao ebola, agora eu taco fogo em qualquer preto que passa aqui na frente”, defecou um terceiro. Acreditam falar, nem percebem que guincham.

“Descrever uma epidemia é uma forma magistral de revelar as diversas formas de totalitarismo que maculam uma sociedade. Neste quesito, os brasileiros não economizaram. A divulgação, por meios de comunicação que atingem dezenas de milhões de pessoas, da foto de um homem negro, vindo da África, como suspeito de ebola, foi a apoteose do fantasma do estrangeiro como portador da doença”, afirmou a esta coluna Deisy Ventura, professora de direito internacional da Universidade de São Paulo, pesquisadora das relações entre direito e saúde, autora do livro Direito e Saúde Global – O caso da pandemia de gripe A (H1N1). “Veja que este fantasma é mobilizado em relação aos pobres, sobretudo negros, nunca em relação aos estrangeiros ricos e brancos. O escravagismo, terrível doença da sociedade brasileira, associa-se ao desejo conjuntural de dizer: este governo não deveria ter deixado essas pessoas entrarem. É uma espécie de lamento: tanto se esforçaram as elites para branquear este país, e agora querem preteá-lo?”

A África desponta, de novo e sempre, como o grande outro. Todo um continente povoado por nuances e diversidades reduzido à homogeneidade da ignorância – a um fora. Como disse um imigrante de Burkina Faso à repórter Fabiana Cambricoli, do jornalO Estado de S. Paulo: “Os brasileiros não sabem que Burkina Faso é longe dos países que têm ebola. Acham que é tudo a mesma coisa porque somos negros”. Ele e dezenas de imigrantes de diversos países da África estão sendo hostilizados e expulsos de lugares públicos na cidade de Cascavel, no Paraná, onde o primeiro caso suspeito foi identificado. Tornaram-se “os caras com ebola”, apontados na rua “como os negros que trouxeram o vírus para o Brasil”.

O ebola não parece ser um problema quando está na África, contido entre fronteiras. Lá é destino. O ebola só é problema, como escreveu o pesquisador francês Bruno Canard, porque o vírus saiu do lugar em que o Ocidente gostaria que ele ficasse. “A militarização da resposta ao ebola, que com a anuência do Conselho de Segurança das Nações Unidas, em setembro último, passou da Organização Mundial da Saúde a uma Missão da ONU, revela que a grande preocupação da comunidade internacional não é a erradicação da doença, mas a sua contenção geográfica”, reforça Deisy Ventura.

O homem a quem se acusou de trazer a doença para o Brasil, para o lugar onde o vírus não pode estar, sempre foi um sem nome, um ninguém, um não ser. Só é nomeado, ganha rosto, para mais uma vez ser violado. Para que continue a não ser enxergado, porque nele só se vê a ameaça, que é mais uma forma de não reconhecê-lo como humano. Ele, o rato.

A história do liberiano que morreu de ebola nos Estados Unidos expõe o labirinto. Ele tinha 18 anos quando a guerra civil começou a matança que só terminaria em 250 mil cadáveres. No campo de refugiados na Costa de Marfim conheceu uma mulher e teve com ela um filho. Ela conseguiu migrar para os Estados Unidos com a criança de três anos, ele seguiu para um campo de refugiados em Gana. Só em 2013 conseguiu voltar ao seu país devastado. Em setembro, finalmente, obteve o visto para entrar nos Estados Unidos, para casar com a mãe de seu filho e ver o menino, agora quase um adulto, se formar no ensino médio. Antes de partir, um gesto de solidariedade: ajudou a levar uma vizinha com ebola para o hospital. Sem saber, carregou com ele o vírus da doença para além das fronteiras. O labirinto era sem saída, o futuro só existia como passado, e ele morreu nos Estados Unidos. O filho do qual ficou exilado por 16 anos não pôde se despedir do pai. O legado da saudade do pai era a marca de um flagelo deixado no filho pelo olhar do Ocidente. Para os mesmos de sempre, o exílio ultrapassa a vida.

Para o homem que alcançou o Brasil em busca de refúgio e teve sua dignidade violada na exposição de seu nome, rosto e documentos, ainda existe a espera de um segundo teste para o vírus do ebola. Não importa se der negativo ou positivo, devemos desculpas. Devemos reparação, ainda que saibamos que a reparação total é uma impossibilidade, e que essa marca pública já o assinala. Não é uma oportunidade para ele, é para nós.
É preciso reconhecer o rato que respira em nós para termos alguma chance de nos tornarmos mais parecidos com um humano.

Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficçãoColuna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da RuaA Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos e do romance Uma Duas. Site: elianebrum.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter: @brumelianebrum


SOS Água ( proposta 2)

PROPOSTA 2                     

                                                                                                                                                                                                     

A crise de falta d´água em São Paulo tem solução?

A capacidade do Sistema Cantareira, reservatório que atende 9,8 milhões de paulistas – 8,4 milhões só na capital –, chegou a apenas um dígito pela primeira vez na história na última sexta-feira: 9,2%, segundo a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Um ano atrás, na mesma data, cerca de 60% do volume do sistema estava disponível. Para evitar a falta de água, a Sabesp iniciou, em março, obras que permitem a captação do chamado volume morto, porção de água que fica no fundo do reservatório, abaixo dos tubos que tiram a água e enviam para as estações de tratamento. Dezessete bombas de captação foram instaladas em março, a um custo de 80 milhões de reais, e, a partir de 15 de maio — segundo a Sabesp —, 200 dos 400 bilhões de litros que compõem o volume morto estarão disponíveis para uso. ( 10/05 /2014)


ALGUMAS POSSIBILIDADES DE INTERVENÇÃO


Rodízio de água — A possibilidade de um rodízio do abastecimento de água tem sido descartada pelas autoridades. Na visão dos especialistas, porém, caso a torneira seque antes que a água do volume morto entre no cano ou a água extraída dele não seja suficiente para abastecer a região até que as chuvas encham o reservatório novamente, a medida pode ser inevitável.

Redução da perda de água tratada — A perda de água tratada em São Paulo está em torno de 25%. Apesar de ser melhor do que a média brasileira — cerca de 40% — o índice ainda é considerado bem longe do ideal. Parte dessa perda se deve a vazamentos de tubulação, que muitas vezes acumulam décadas de uso, prejudicando o sistema

Mudança de hábitos culturais — Pensar que São Paulo é uma região com grande disponibilidade de recursos hídricos é um erro comum entre seus habitantes. Apesar de o Brasil deter 12% das reservas de água doce do planeta, a maior parte desses recursos encontra-se na região Norte do país. "A primeira coisa que a gente tem que fazer para reduzir o consumo de água é mudar a nossa cultura de abundância.

Despoluição dos rios Tietê e Pinheiros — Despoluir e utilizar as águas desses dois rios da região metropolitana não é, até o momento, uma opção considerada viável pelos especialistas. "Hoje não vejo como utilizar o Tietê e o Pinheiros. Além da qualidade da água ser ruim, os rios recebem muita poluição difusa, aquela que é carregada pela chuva que 'lava' a cidade, contendo às vezes poluentes altamente tóxicos"

Aquífero Guarani — O geólogo uruguaio Danilo Anton propôs o nome Aquífero Guarani para a grande quantidade de água subterrânea que identificou na década de 1990, abrangendo partes dos territórios do Uruguai, Argentina, Paraguai e principalmente Brasil, com uma extensão total de 1.182.000 quilômetros quadrados. Algumas cidades do interior de São Paulo, como Ribeirão Preto e São Carlos, se beneficiam dessa fonte, mas ela é inviável para os moradores da metrópole, que está a mais de 200 quilômetros do ponto onde é possível captar água.

Construção de um novo reservatório, ou transposição da água de outros rios — Resolver o problema com grandes obras leva tempo e demanda um investimento alto. "A água está cada vez mais longe, logo, cada vez mais cara", afirma Antonio Carlos Zuffo.. Ações como tratar o esgoto da população que vive próximo dos mananciais e proteger as áreas verdes restantes ao redor deles são essenciais para manter a qualidade da água.

Reuso — Os especialistas ouvidos pelo site de VEJA são unânimes: o reuso da água é a melhor opção para resolver a crise hídrica. A técnica consiste em recolher água que já foi usada e utilizá-la novamente. Há diferentes tipos de reuso. O método mais simples é tratar a água que escorre pelo ralo do chuveiro ou da máquina de lavar, por exemplo, e destiná-la para fins não potáveis, como limpeza de pisos, irrigação de áreas verdes ou fontes decorativas. Outra possibilidade é purificar o que vai para o esgoto tanto para fins não potáveis como para o consumo final — sim, para a torneira, como alguns países já fazem. O processo pode ser reproduzido em casas, condomínios, indústrias ou, idealmente, na rede de tratamento de esgoto de uma cidade inteira.

ENEM 2015...SOS Água.( proposta 1)


                                                                

Dois terços da população mundial em 2025 não terão acesso à água potável se nada for feito para evitar a escassez

11/05/2013 

Mundo enfrenta crise de água doce
Se os atuais padrões de consumo e poluição não mudarem, em 2025, bilhões de pessoas no mundo viverão escassez absoluta de água.
A escassez de água já afeta quase todos os continentes e mais de 40% das pessoas em nosso planeta, é o que mostra uma pesquisa realizada pelo Programa de Avaliação Mundial da Água. Apesar de 70% da superfície terrestre ser coberta de água, apenas 2,5% é de água doce. Sendo que 99,7% desse volume está concentrado na forma de geleiras, coberturas de neve e águas subterrâneas. Ou seja, apenas 0,3% desse recurso próprio para o consumo está disponível em rios e lagos. Pequena porcentagem que seria suficiente para abastecer a vida na terra caso a ação do homem não fosse predatória.
O uso irresponsável dos recursos hídricos está fazendo da água doce potável um bem cada vez mais raro e precioso. Alexander Consta, chefe de departamento de geografia física da Universidade Estadual do Rio de Janeiro- Uerj, explica que, normalmente, a água doce não seria um recurso finito porque ela se renova a partir da evaporação dos mares. Entretanto, a velocidade da degradação deste recurso é muito superior à velocidade de renovação. “A velocidade de renovação é extremamente lenta, podendo durar décadas ou séculos. O processo humano de degradação das águas é contínuo e cada vez mais intenso”, afirma. O despejo de substâncias tóxicas, lixo e esgoto sem tratamento vem condenando à morte rios e lagos de água doce. Pesquisas publicadas pela ONU apontam que, todos os dias, 2 milhões de toneladas de dejetos humanos são eliminados nos cursos de água em todo o mundo e que mais de 80% das águas residuais do planeta não é coletada ou tratada.

Além da poluição de rios e lagos, o desperdício é outro fator responsável pela crescente escassez de água doce. Costa comenta que o uso irresponsável deste recurso deve ser combatido em todas as instâncias, mas que, no Brasil, erra-se quando se atribuir a culpa pela crise da água ao consumo doméstico da população.  “Os consumidores de água no país são a agropecuária e a indústria. O consumo doméstico é muito menor”, garante. E não é só no Brasil que a agroindústria assume a primeira posição no ranking dos maiores consumidores de água. De acordo com o Programa de Avaliação Mundial da Água, 70% do consumo deste recurso no mundo é destinado para a irrigação, 20% para indústrias e 10% para o uso doméstico.
 
Relatórios da ONU alertam que se o padrão de consumo e poluição não mudar, em 2025, 1,8 bilhão de pessoas estarão vivendo em países ou regiões com absoluta escassez de água, e dois terços da população do mundo poderia estar vivendo sob condições de estresse hídrico. Alexandre Costa ressalta que este nível de carência de água certamente irá refletir de forma negativa nos campos da saúde e economia. “Existem várias doenças de veiculação hídrica. A ausência de água de boa qualidade pode levar à ocorrência de várias enfermidades. Além disso, no campo da economia, com a água em menor quantidade e qualidade, o custo de produção de alguns bens industriais, da agropecuária e de energia poderá aumentar”, diz.

O Brasil é altamente privilegiado neste cenário por possuir uma das maiores reservas de água doce do planeta. O documento Geo Brasil: Recursos Hídrico, produzido pelo ministério do meio ambiente, revela que o país possui 12% da disponibilidade mundial de água doce. Porém, engana-se quem acredita que estamos livres do problema da escassez. O professor de geografia física explica que a maior parte das reservas brasileiras de água doce estão concentradas onde há uma pequena parcela da população. Além da má destruição dos recursos hídricos, Costa aponta a desigualdade de acesso à água em diferentes classes sociais.”A água não é apropriada de maneira igualitária entre as diferentes classes socioeconômicas. Ou seja, nestes casos, existe a escassez, mas ela fica escondida quando se faz um cálculo simples de divisão do total de água pela população total do lugar, considerando, ingenuamente, que a água é dividida de forma igualitária entre todos os habitantes do lugar”, afirma.
Para que seja possível contornar a escassez de água no mundo, Costa diz acreditar, ainda que pareça utópico, que este recurso deve ser encarado como um bem finito de todos os cidadãos e que não deveria ser tratado como um produto, que só pode ser consumido por quem tem dinheiro. “A água não pode mais ser fonte de lucro e enriquecimento”.

Alertando para escassez de água doce, ONU pede esforços globais para proteger recursos naturais
23/05
A menos que sejam feitos mais esforços para reverter as tendências atuais, o mundo vai ficar sem água doce, disse a ONU nesta quarta-feira (22), marcando o Dia Internacional da Diversidade Biológica. A Organização pediu esforços globais que compreendam e protejam os recursos naturais.
“Vivemos em um mundo cada vez mais inseguro, onde a demanda de água muitas vezes supera a oferta, onde a qualidade da água muitas vezes não consegue atender aos padrões mínimos de qualidade. De acordo com as tendências atuais, as futuras demandas por água não serão cumpridas”, disse Ban em sua mensagem para lembrar o dia. “Embora aparentemente abundante, apenas uma pequena quantidade de água doce está disponível no nosso planeta”, acrescentou.
A escassez de água afeta quase todos os continentes e mais de 40% das pessoas em nosso planeta, disse a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Com as tendências atuais, 1,8 bilhão de pessoas estarão vivendo em países ou regiões com escassez absoluta de água em 2025.
“A biodiversidade e os serviços ecossistêmicos que ela proporciona são fundamentais para alcançar a visão de um mundo onde a oferta de água é segura“, disse Ban, observando o papel de equilíbrio que florestas, pântanos e a biodiversidade do solo proporcionam para o meio ambiente.
Ban Ki-moon e Irina Bokova, chefe da UNESCO, ressaltaram a importância de fortes alianças científicas como parte de um esforço global para proteger os recursos naturais. Eles encorajaram as partes da Convenção sobre Diversidade Biológica que ainda não o fizeram a ratificar o Protocolo de Nagoya. Adotado em 2010, o Protocolo estabelece, entre outras metas, cortar a taxa de extinção atual pela metade ou mais até 2020.
Em uma coletiva de imprensa em Nova York, o brasileiro Bráulio de Souza Dias, secretário executivo da Convenção sobre Diversidade Biológica, disse que a biodiversidade precisa ser vista como parte de uma solução de ganhos para ambos os lados no desenvolvimento sustentável.
“É muito fácil dizer que sim, devemos fornecer água para todos, mas como é que vamos fazer isso é a questão”, disse Dias, ressaltando a importância de pensar além das soluções tradicionais, de uma forma mais integrada e colaborativa para conseguir efetivamente realizar os Objetivos do Milênio.

País melhora o ar, mas descaso com as águas continua
VALÉRIA FRANÇA - ESPECIAL PARA O ESTADO /29 Agosto 2014 | 18h 48

O investimento na expansão do saneamento diminuiu nos últimos 14 anos, deixando o Brasil entre os piores índices do mundo

SÃO PAULO - Em apenas cinco anos o Brasil conseguiu mudar totalmente a imagem entre os ambientalistas ao redor do mundo ao alcançar um inesperado patamar de 80% de redução de CO2. Ao poluir menos, virou modelo, mas deixou questões importantes de lado. Não vem cuidando da fauna e muito menos de seu potencial hídrico – o que é ainda mais preocupante.
“Urgente hoje não é a poluição do ar, mas a das águas dos rios e mares”, diz a bióloga Adriana Gonçalves Moreira, especialista em meio ambiente do Banco Mundial. “Do ponto de vista de conservação de todos os biomas nacionais, o marinho é o que recebeu menos atenção.” Das áreas protegidas no continente, 30% são de florestas e 10%, de cerrado.
Já o mar tem apenas 2% de área protegida. “Isso é um problema mundial. ”Os EUA também demarcam apenas 2% de território marítimo protegido, e Índia, 5%, por exemplo. Calcula-se que 77% dos poluentes despejados no mar acabem se concentrando na região costeira, que reúne o habitat marinho mais vulnerável. Os acidentes com cargueiros, principalmente os que levam petróleo bruto, são responsáveis por 10% da poluição dos mares do globo.
No Brasil, 87% do lixo encontrado nas águas do Atlântico vem do território costeiro e impactam diretamente 267 espécies. Há muitos registros de tartarugas e golfinhos que morrem pela ingestão de plásticos, confundidos com algas. O Brasil também fica devendo em saneamento básico. Segundo estudo realizado pelo Instituto Trata Brasil e pelo Conselho Empresarial Brasileiro pelo Desenvolvimento Sustentável, apenas 37,5% de todo o esgoto gerado no País recebe algum tipo de tratamento.

Soluções. Falta política de uso racional. “As águas devem ter uso múltiplo”, diz Marcos Thadeu Abicalil, arquiteto e urbanista especializado em águas e saneamento do Banco Mundial. “O esgoto tratado pode ter um reaproveitamento indireto.” Um bom exemplo disso, segundo o arquiteto, é o Aquapolo Ambiental – que nasceu de uma parceria entre a Odebrecht Ambiental e a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) – , um centro de tratamento e fornecimento de água de reúso industrial para o Polo Petroquímico do ABC, em São Paulo.
O projeto transforma o esgoto previamente tratado em água para atividades industriais, como o resfriamento de turbinas. O método gera economia de água potável equivalente ao consumo de 500 mil habitantes. “Temos de diversificar e ser mais limpos”, diz a economista Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). “Precisamos ter uma cadeia limpa do início ao descarte.”

Ícone do descaso com o meio ambiente, o Rio Tietê atinge nível zero de O2 no trecho entre Suzano e São Paulo. “O despejo direto de esgoto doméstico e empresarial acaba com o potencial de uso, que poderia até ser de abastecimento”, diz Abicalil, referindo-se à seca que a maior capital do País está atravessando, Do total de água tratada no Brasil, 36% é perdida em vazamentos. Em São Paulo, 30% dos investimentos vão para a reposição da rede, que está envelhecida.