segunda-feira, 30 de agosto de 2021

TERRA SONÂMBULA...Fuvest 22 ( um presente 💯)


OBS IMPORTANTE: 

Nenhum resumo e/ ou análise de livro isenta o aluno da leitura do texto integral.  Nada substitui a obra completa :o estilo, o vocabulário, as particularidades do enredo  , todos são essenciais para sua intelecção.O que está aqui deve ampliar  a sua análise particular da leitura, jamais substituí-la.

NÃO É UM RESUMO.É UMA ANÁLISE DA OBRA.

Parte1 

Terra Sonâmbula

"O que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto a gente sonhar a estrada permanecerá viva. É para isso que servem os caminhos, para nos fazerem parentes do futuro."

Se dizia daquela terra que era sonâmbula. Porque enquanto os homens dormiam, a terra se movia espaços afora. Quando despertavam, os habitantes olhavam o novo rosto da paisagem e sabiam que, naquela noite, eles tinham sido visitados pela fantasia do sonho. Crença dos habitantes de Matimati .

Terra Sonâmbula de Mia Couto discorre sobre duas histórias que a princípio parecem distintas, mas que ao final do texto se ligam : rm Capítulos e em Cadernos de Kindzu, estruturados de forma que ,após cada Capítulo inicia-se um Caderno de Kindzu. Quanto a esses Cadernos , é extremamente importante para estabelecer o contexto histórico no qual a história se desenvolve. 

 CONTEXTO :O livro demonstra a miséria pelo qual passava Moçambique após a descolonização. Momento sócio-político da guerra civil – início dos anos 90 – 1992 Para ilustrar isso o autor utiliza uma metáfora através do pensamento de Kindzu, quando a personagem afirma que “Agora, eu via o meu país como uma dessas baleias que vêm agonizar na praia. A morte nem sucedera e já as facas lhe roubavam pedaços, cada um tentando o mais para si. Como se aquele fosse o último animal, a derradeira oportunidade de ganhar uma porção” .

Tuahir e Muidinga  perambulam por  uma “estrada morta”. Tuahir , um velho e Muidinga, um menino que deve ter em torno de 11 anos. O pequeno é chamado de miúdo pelo velho. Tuahir e Muidinga são dois desabrigados que vagam pela Moçambique da pós-independência tentando sobreviver. Há uma clara referência ao deslocamento causado pela guerra civil que se instalou no país após a independência. Durante esse deslocamento eles encontram um machimbombo (ônibus) queimado e instalam-se nele. Nele há pessoas mortas e uma delas carrega uma mala, na qual estavam guardadas comida e alguns escritos denominados "Cadernos de Kindzu."Os cadernos são recolhidos e lidos por Muidinga para os dois, visando preencher seus dias e noites solitários.

Na medida em que a leitura se desenrola, as personagens penetram cada vez mais na história e, sentindo a necessidade da leitura dela, de modo que o próprio Tuahir chega a afirmar, ao final do quinto capítulo, que “Esse fidamãe desse Kindzu já vive quase conosco” .                              Ao fim desse capítulo vê-se a importância da contação de histórias em Terra Sonâmbula, que  expressa a importância dessa prática na cultura moçambicana. ( Oralidade).

Um elemento importante levantado a partir do ato de contar a história nesse livro é o fato de ser o jovem Muidinga que conta a história e não o idoso Tuahir, como sempre imaginamos ao pensar na figura do griô. Isso acontece porque a contação da história de Kindzu ocorre através do domínio da leitura, que é um conhecimento das gerações mais novas.

 Essa integração do velho ao novo se observa também no capítulo em que é narrada a história de Siqueleto, um ancião que ficara só numa das aldeias abandonadas. Tuahir e Muidinga o encontram porque caem numa armadilha e são salvos por ele. Siqueleto fala a língua local e Muidinga não a entende, Tuahir serve de intérprete. No final, Siqueleto pede que Muidinga escreva seu nome numa árvore, mostrando agora a dependência do velho ao novo. Logo, esses acontecimentos corroboram para reafirmar o que foi dito: o novo anda de mãos dadas com o velho. 

O conhecimento ancestral é necessário para que se possa construir um novo paradigma , Couto mostra o respeito que o menino tem pelo mais velho, expresso, por exemplo, na confiança que o miúdo deposita em Tuahir quanto ao conhecimento do caminho de volta para o ônibus, quando parecem perdidos.

Outro  elemento da contação de histórias é  ainda percebido quando, no início do quinto capítulo, o narrador chama o machimbombo de moradia e, ao fim, Tuahir revela a importância que as histórias de Kindzu têm para eles. Isso nos permite pensar que a contação de histórias inclusive estabelece um laço de moradia com o lugar onde ela é contada, estabelecendo uma ligação entre o Machimbombo queimado e os dois personagens.

Esse contar é feito ritualisticamente à beira da fogueira, como nas comunidades arcaicas. Do ponto de vista da produção cultural, a arte de contar é uma prática ritualística, um ato de iniciação ao universo da africanidade, e tal prática e ato são, sobretudo, um gesto de prazer pelo qual o mundo real dá lugar ao momento meramente possível que, feito voz, desengrena a realidade e desata a fantasia.

Enfim, o que prende Muidinga e Tuahir no machimbombo? Na primeira vez que Tuahir sai do local, Muidinga diz que são os Cadernos de Kindzu que despertam a vontade de voltar ao abrigo. Já quando Muidinga quis sair dali, Tuahir usa a desculpa de que ali ninguém apareceria e ali estariam protegidos, pois o país estando em guerra era melhor que ninguém os encontrasse.

 A partir do quarto capítulo (o da morte de Siqueleto), quando os personagens parecem estar estabelecidos no machimbombo, eles começam andar em círculos ao redor de onde ele se encontrava. Nesse momento é que Tuahir e Muidinga começam a conhecer o entorno e passam a acontecer coisas ao seu redor. No quinto capítulo o ônibus já é designado como moradia pelo narrador. Somente no final da história eles se despedem de vez do lugar, para encontrar o mar.

( continua nas partes 2 e 3)

 

 

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