Ler não é, pelo menos não deveria ser, obrigatório.Deve ser prazer e desenvolvimento de senso crítico.Ninguém precisa gostar de um clássico, mas conhecê-lo amplia nosso horizonte e permite-nos selecionar o que queremos enquanto pessoas. Isso independe da profissão.
Leia e aprimore-se como ser humano.
Gizelda
Moacyr Scliar,8 de novembro de 2010 às 9,36 hs.
O professor nunca
deve proibir um livro. Mesmo que a obra seja ruim ou inadequada, a missão do
educador é fazer o aluno entender os motivos disso.
O romance de Ray Bradbury, Fahrenheit 451, publicado em
1953, fala-nos de um futuro em que opiniões pessoais e o pensamento
crítico são considerados coisas perigosas e no qual todos os livros são
proibidos e queimados: o número 451 do título refere-se à temperatura (em graus
Fahrenheit) na qual o papel pega fogo. Trata-se, obviamente de ficção, mas
houve momentos em que essa ficção expressou a realidade. A censura acompanhou
como um sombrio espectro boa parte da história da humanidade. O próprio termo
“censor”, que é latino, data do século quinto antes de Cristo, quando o Império
Romano delegou a funcionários a tarefa de moldar o caráter das pessoas. Mas não
só em Roma acontecia isso; na Grécia clássica, em 399 a.C., o filósofo Sócrates
foi condenado à morte por difundir entre jovens ideias consideradas perigosas.
Desde então, não foram poucos os regimes totalitários que prenderam ou mataram
aqueles que ousavam contestá-los.
A partir da invenção da imprensa, por Johannes Gutenberg, no
século XV, o livro impresso passou a ser um alvo preferencial nesse processo.
Já em 1559, a Igreja estabelecia o Index Librorum Prohibitorum, a lista de
livros que os fiéis não podiam ler, e que teve mais de 20 edições, antes de ser
definitivamente suprimida em 1966. As autoridades civis exerciam poder
semelhante; em 1563, o rei Carlos IX, da França, baixou decreto estabelecendo
que nenhuma obra podia ser impressa sem permissão do rei. Nos séculos que se
seguiram, e sob várias formas e pretextos, livros foram proibidos e até
queimados, como aconteceu na Alemanha nazista. Os motivos, ou pretextos, eram
de várias ordens: morais, políticos, militares. Nos Estados Unidos, em vários
lugares e por várias instituições, foram censurados livros como Chapeuzinho
Vermelho (numa das versões a menina oferece vinho para a sua avó), Alice no
País das Maravilhas (os animais falam com linguagem humana), a coleção Harry
Potter (supostamente promove bruxaria). Numa época, direções de escolas no Rio
Grande do Sul proibiram os livros de Érico Veríssimo , porque achavam ser imorais.
No Brasil, tivemos um período de censura severa, quando do
regime autoritário (1964-1985). As razões apresentadas não raro beiravam o
ridículo; numa exposição de “material subversivo” apreendido em Porto Alegre,
havia um livro com a seguinte legenda: “Obra esquerdista em chinês”. Era uma
Bíblia em hebraico. Mais recentemente, e
nas escolas, surgiram problemas com livros que narravam cenas de sexo e de
violência, às vezes selecionados por técnicos da área educacional. Por outro
lado, sabemos que a disseminação da pornografia e da violência é cada vez mais
frequente. E isso sem falar na questão do politicamente correto, que procura
evitar palavras ou expressões potencialmente ofensivas a grupos étnicos ou
religiosos, ou a opções sexuais. Pergunta: o que devem fazer os pais e
educadores diante dessa situação?
Creio que uma
expressão consagrada pela saúde pública aqui se aplica perfeitamente: é melhor
prevenir do que remediar. E isso por uma simples razão: é tão grande o volume
de informações atualmente disseminadas, não só por livros, mas também pela
internet, por vídeos, pela própria tevê, que é impossível evitar o acesso de
crianças e jovens a esse material. O melhor é prepará-los para que possam
identificar os potenciais riscos que estão ocorrendo. Mas há um aspecto
adicional. Esses riscos não são como os do fumo ou das drogas, substâcias
sempre nocivas, e que, em qualquer dose, envenenam o organismo. O material
veiculado pelos meios de comunicação pode se transformar numa fonte de
aprendizado. É como vacinar uma pessoa: ela é inoculada com germes inativos e
seu organismo preparará anticorpos que vão defender essa pessoa de doenças.
Isso exige um estreitamento dos laços entre pais e professores, de um lado, e
os jovens de outro. No caso da tevê, por exemplo, é muito bom que o pai ou a
mãe sente ao lado da criança e converse com ela sobre o que aparece na tela.
Também é muito bom que os pais leiam para os filhos quando esses ainda são
pequenos. Isso, além de introduzir a criança ao mundo dos livros, representará
um vínculo emocional que persistirá por toda a vida. O menino e a menina
associarão o livro à imagem protetora do pai ou da mãe.
Em relação à escola, vale
o mesmo raciocínio. Quando um jovem me pergunta que livros deve ler, respondo:
“Em primeiro lugar, aqueles que os professores indicam; eles conhecem o
assunto, eles têm condições de fazer boas recomendações”. Mas nunca digo que o
jovem não deve ler tal ou qual obra, tal ou qual autor. Meu aprendizado como
leitor passou por livros que depois considerei tolos ou ruins. Mas isso foi
útil para que eu pudesse aprender a formar o meu juízo crítico. Na leitura, a
gente avança pelo método de tentativa e erro, de aproximações sucessivas.
Em resumo, proibir ou
censurar, não. Recomendar, debater,
ensinar, sim. Vivemos num mundo cheio de imperfeições e perigos, e o que
podemos fazer com nossos filhos e alunos é ensiná-los a navegar por esse mar
turbulento, em navios cujas velas são as páginas da grande literatura. Ler é aventura, ler é paixão.
In Carta Capital.
Querida Gi, ma biblioteca grande e habituei o meu filho desde muito pequeno a 'ler', primeiro com os livros do'tio Patinhas','Mónica','Pato Donald', 'Mickey', etc. hoje é um leitor como nós e já tem a sua própria biblioyeca.
ResponderExcluirLer é mesmo uma paixão assolapada.
beijo no sei <3
O texto suscita-nos muitas questões referentes ao ato de ler, ao valor sócio-histórico do livro, à sistematização e veiculação de conhecimentos possibilitado por ele. Onde há livro há uma janela para a compreensão do mundo. Onde há livro há a possibilidade de exercício de poder. Estou de acordo com você, amiga, ao sugerir que nenhuma leitura deve ser imposta. Penso a leitura como necessidade, mas de uma necessidade que se vai descobrindo, muito devido à atuação dos pais. Já contei sobre o tempo em que minha mãe lia histórias para mim, quando criança. Gostava de um livro intitulado "A bonequinha preta". Ela lia a história quase toda noite. E sabemos que criança adora o recontar incessante, a repetição da mesma história. Havia outros livros que me embalavam antes de dormir. Devo muito à minha mãe o meu amor aos livros, devo muito a ela o ter-me tornado um leitor dedicado. Ler é indispensável ao exercício pleno da cidadania. Para mim, ler é prazer.
ResponderExcluirBeijos!
Adorei o texto.